sábado, 20 de fevereiro de 2010

Base a uma iniciação científica

O “eu” só pode se definir pelo outro, por ser próprio do “ser” a contextualização. É impossível ser em si mesmo, já que se é em relação a toda uma estrutura. Assim, o valor próprio do outro se refere ao valor de ser – em uma forma de negação deste outro, pois, supõe-se para ser, que o outro seja como se supõe.

Toda a constituição da verdade, parte, acredito, do mesmo princípio da constituição do eu. O eu, de alguma forma, é uma verdade; e qualquer verdade, no momento em que ela é, se torna o eu. Ora, imaginar o desejo e as pulsões como sob uma ordem, é imaginar, já, uma forma, que se estabelece a si mesma, em relação a uma estrutura que a define como tal. Então, se se supõe que qualquer valor cultural primeiramente é uma sublimação de uma pulsão, esta pulsão deve estar ausente de qualquer forma ou ordenação, sendo estes dois somente uma conseqüência do valor cultural. Contudo, de onde partiria esta transformação das pulsões? Penso que só possa partir de alguma coisa caracteristicamente igual em qualquer ser humano, antes mesmo das definições culturais, e que possa, simplesmente por ser igual em todos os homens, ser base à classificação de qualquer coisa, gerando a cultura. Pois bem: e o que serviria a isso?

Quando se isola qualquer valor cultural, observa-se (não nos moldes destas ultimas palavras, que parecem um tanto quanto “empíricas”) que, além do valor sexual que qualquer valor cultural é balizado, uma outra coisa. Bem... se esta “outra coisa” estivesse ausente, não se poderia falar em forma das pulsões, já que estas seriam simplesmente como sempre foram. Então: o que seria esta “outra coisa”? Além da referência sexual, o que dá sentido a qualquer ato, pensamento, expressão da vida, é o futuro – futuro este sabido como mais próximo à morte. É dela, da morte, que o valor cultural retira uma “parte” de sua essência. Todavia, para tanto, dever-se-ia supor que esta morte, que quando a pensamos simplesmente existe enquanto futuro existisse no presente, no aqui e agora, e existisse no presente de todos os homens. Para ela ser “o igual que possibilita a comparação de todas as coisas”, ela deveria existir em cada presente, e não somente como futuro. Pois bem: e não seria este “futuro que virá” a própria morte que existe no presente? Se assim, seria uma “coisa”. Que “coisa”? Somente creio que consiga dizer “base para a classificação de qualquer coisa”. Então, o que é a base a qualquer coisa ser classificada? Penso que só possa ser um “sentimento” de “ser um não-ser”; como no existencialismo, um nada. A morte seria, assim, o que do homem não tem definição, mas que se sente como necessitado de definição – um vazio. E este vazio – metaforicamente – seria preenchido de pulsão, se tornando alguma forma.

Vejamos... Pode-se assim, então, dizer, que a morte é o que é igual na vida. Mas, pensemos: o que é esta igualdade? Mesmo a morte sendo esta igualdade, ela não deixa de ser só futuro, de não existir no agora, de só existir no agora como algo que existirá no futuro. Ela, de alguma forma, não existe, já que estamos vivos. Penso que é desta a essência da dialética, e de qualquer formação cultural.

Finalmente entrando na cultura! Como expus no primeiro parágrafo do texto, o “eu” é uma relação com os outros, um sistema do eu. E, sendo assim, a constituição de qualquer cultura deve se construir de maneira direta, no sentido em que se constituiu as culturas primitivas, aquelas relacionadas às trocas de reciprocidade, da doação do dom. É nisso que quero que se constitua meu trabalho de iniciação científica. Nesta formação holística das sociedades, e depois o aparecimento do capitalismo, com sua ideologia própria individualista, que pressupõe a existência de um “eu” em si mesmo, negando a própria base da sociedade. Quero partir disso para fazer uma avaliação epistemológica dos campos dos saberes – mesmo com o risco de estar sendo arbitrário ao campo do saber psicanalítico ao qual me baseio.